terça-feira, 15 de novembro de 2011

Guerra dos sexos - A construção do poder feminino

Já vai longe o tempo em que os maridos mandavam em suas mulheres. É certo que em alguns lugares do mundo, isso não ocorreu como hoje vemos em grande parte das cidades globalizadas.  Mas reconhecemos que a mulher conquistou um lugar social que lhe faz livre para votar, sair na rua, expressar suas opiniões, estudar, escolher se quer casar ou com quem quer casar, e se terá filhos ou não. Direitos que soam até absurdos de não serem concedidos para uma geração como a minha, dos anos 80.

No entanto, da luta legitimada por direitos sociais até o termo “guerra dos sexos”, foram alguns anos de história e também de dominação, e o tal termo de tanto soar por ai, já virou clichê. Em todo caso, o que me chama a atenção, é que o termo “guerra dos sexos” continue até os dias de hoje sem ter seu sentido atualizado, pensado ou refletido. O que quer dizer “guerra dos sexos” hoje? Se existe um termo que sugere uma batalha de um sexo contra outro, porque isso ocorre e em que âmbito isso é considerado? Já parou para pensar?

O termo sugere que haja uma luta, uma oposição, a briga por algo, algum lugar ou uma posição, mas que lugar é esse? Será que a tal da guerra dos sexos pode ser considerada uma luta por igualdade de direitos nas sociedades globais? Ou por um lugar bem específico e que conhecemos bem: a posição de dominação e controle, de supremacia, historicamente cunhada pela classe masculina?

A insatisfação e a revolta com essa condição de superioridade histórica, (repito, histórica, portanto factual), fomentou muitas revoluções e cunhou no imaginário contemporâneo o termo guerra dos sexos, que sugere que sim, há uma batalha pela conquista de algo. Mas quando falamos em guerra dos sexos hoje, pelo que se está lutando?

Entre lutar por igualdade de direitos e lutar pelo posto de dominação que a sociedade patriarcal exerceu de forma contingente e não inerente (repito, contingente e não inerente) durante tanto tempo, muita coisa se confunde e se mistura.

Se olharmos com cuidado, podemos reconhecer nesse processo histórico, sintetizado hoje pelo termo “guerra dos sexos”, uma busca pela força, pelo poder e pela capacidade de dominação, durante tanto tempo exercida sobre nós mulheres. Sentimentos que muitas parecem carregar à flor da pele, nutridos por uma ferida aberta há muito tempo, cuja dor atravessa as gerações.

O que passa despercebido, no entanto, é que na fermentação e no desdobramento das revoluções sociais em diferentes épocas e países que emancipou as mulheres enquanto cidadãs, moldou-se quase que ao mesmo tempo, as sutilidades de um novo e paradoxal modelo de dominação e controle, forjado no ódio, na raiva e no ressentimento.

Silenciosamente e quase que imperceptivelmente, da ideia de uma“mulher vencedora”, alguns estereótipos se formaram, transformando esta na mulher dominadora do sexo masculino, que culturalmente tem o “homem aos seus pés”. A culpa não me parece ser das revoluções sociais, nem da conquista de direitos de cidadania pelas mulheres. Mas não foi difícil crescer ali, em um território marcado pela opressão e humilhação, o desejo das mulheres de dominação sobre a classe masculina.

A construção da versão estereotipada do poder feminino que seguiu esse triste rastro, se encaminhou para a formação de uma imagem da mulher como um ser capaz de domínio e poder sobre o homem. Não através da força, mas pela sedução.

O estereótipo fatal, que seduz e domina, por outros meios que não os das castas masculinas do século quinze. São mulheres implacáveis. Não sei se todo o estereótipo cultural guarda marcas de um processo histórico, mas a construção do poder feminino contemporâneo esbarra nesse tipinho típico com assustadora frequência. Exageradamente sexualizadas, belas, famosas, vaidosas, indefectíveis, notáveis e capazes de dominar - elas são o novo retrato de domínio social que a tal da batalha dos sexos nos mostra, sem precisar dizer nada.

Podem dizer que não há guerra nenhuma, que isso é apenas um termo, mas é impressionante a estranha simbiose ideológica que há hoje entre valorizar a mulher e fazer valer seus direitos, e cair na falácia cultural da estereotipação feminina que se valoriza, se sobrepõe e ganha espaço principalmente através do corpo, da aparência física e da capacidade de atração do sexo oposto. E onde estão os outros valores femininos, que não sejam os atributos estéticos e materiais? Onde ficam no meio do vale tudo de mulheres indefectíveis e sedutoras, brigando por atenção e controle?

Se as mulheres queriam se libertar de um lugar de dominação, sem querer, acabaram escravas de uma nova condição de si próprias e de um modelo que deixa todas suas outras virtudes e capacidades verdadeiras e perenes, aquelas que não se vão com a idade, a situação social e a aparência física, em segundo plano.

Se tornaram prisioneiras de uma condição implícita que prescreve que uma mulher vale tanto quanto consegue dominar e seduzir a classe masculina, e que entra em parafuso quando não se faz valer por esses atributos.

Hoje, esse consenso cultural paradoxal atinge a mulher, rebaixando-a a uma condição vazia, inferior e empobrecida, sem que no entanto, ela se perceba disso com clareza.

E nessa bagunça histórica, emocional, cultural e midiática, eu me pergunto: será que já não é hora de novas revoluções? Nos emanciparmos da própria imagem construída para a valorização feminina hoje, parece, aos meus olhos pelo menos, uma guerra muito mais urgente do que a tal da guerra dos sexos.

Por: Caroline Derschner