quinta-feira, 12 de julho de 2012

Tempo ao tempo

Acho que existe algo de mágico em nossa relação com o tempo...

Falha o senso comum para uma total compreensão sobre sua passagem e ordenação na ocorrência dos eventos, que quase nunca se baseiam de acordo com um único padrão.

Não me refiro aqui, obviamente, ao cálculo dos nossos relógios, que medem eventos repetitivos e regulares.

A “magia” da qual suspeito a existência está envolvida em meio aos nossos atos, sensações e emoções entrelaçadas ao tempo e às ocorrências da vida, em todos os nossos dias.

Aliás, os dias, horas, minutos, segundos, semanas, meses, anos, decênios, são unidades de tempo criadas pelo homem a fim de nos servirem como garantias de que tudo de concreto e funcional estará sempre em uma ordem, numa sequência que planejamos para realizarmos, observarmos e compreendermos o mundo, através da nossa existência num espaço que exige ação e reação.

No entanto tenho notado algo estranho em relação ao tempo, parecendo-me que hoje em dia até as nossas ideias e pensamentos aceleram a forma de vida que levamos.

E consequentemente acelera-se o tempo que poderíamos e “teríamos” por direito, para sonhar, imaginar, criar e refletir sobre as coisas mais simples e importantes.  

Mas faltando-me a sabedoria que somente o tempo tem o privilégio de doar, meu estranhamento baseia-se muita mais em indagações do que certezas...

Atualmente minha relação com o tempo tem se estruturado, por exemplo, na tentativa de compreender o envelhecimento, numa sociedade que prega a juventude eterna; no uso que faço do tempo, precisando (e me cobrando) cumprir satisfatoriamente todas as inúmeras funções que ao longo das minhas necessidades (realmente necessárias ou não) me incumbi de realizar; no meu amadurecimento como mulher dentro de relacionamentos amorosos, familiares, amigáveis, sociais; no meu posicionamento dentro de um sistema planetário e social, à medida que vou tomando consciência, e logo, tornando-me responsável por agir ou não em conformidade com minha intuição, valores e princípios, e tantos outros aspectos na vida de alguém. Aspectos que parecem ser apontados somente quando notamos que estamos, em verdade, dentro de um vagão aberto de um trem, em movimento, e que não só as paisagens se modificam, mas o ar, a chuva, o vento, o frio e o sol dessas paisagens acabam por também nos causar mudanças externas e internas.

Viver um dia após o outro não poderia ser uma expressão tida como metafórica ou meramente popular. Apesar da sabedoria dada à fala do povo, seria como limitar tamanha verdade. Se estamos vivos, estamos em movimento, e o mínimo que pode ser feito da nossa parte, é viver, e viver de acordo com esse movimento. A essência é o movimento, e é sua manifestação em contato com as particularidades da vida e das pessoas que é oscilante.

Quem aqui já ficou bem doente? Ou pôde presenciar ou ouvir uma história sobre pessoas com doenças bem graves, que viveram por muito tempo em estado vegetativo, mórbido ou mesmo apenas não podendo mexer-se tanto?

Há vida ali, naquele corpo? Porque não haveria? O movimento pode ser de natureza interna. Quem pensa, ama, sofre, culpa-se, alegra-se, está vivo, mesmo sem executar movimentos externos. O tempo continua agindo sobre tudo, e as consequências do movimento e de seus ciclos são as mesmas. Não há nada que escape à incidência desse movimento invisível, mais compreensível para nosso entendimento na definição de “tempo”.

Mas se a rotina para alguns é atribulada, cheia de movimento, não se engane ao culpar somente o movimento externo! Você pode estar dentro de um trem acelerado por sua própria vontade, sofrendo muito mais e com maior frequência pelas intempéries da natureza. E nem vai dar-se conta das mudanças — àquelas prejudiciais ou as benéficas.

O tempo, para o homem (e mulheres-maravilha!), é um onda silenciosa que transcorre naturalmente, acima, entre e por meio de nós. Nossos corpos navegam nesse movimento e respondem a ele, com a diferença de que são de essência física, palpável, material. As únicas certezas que sinto neste mundo são sobre a mortalidade do que é material e a de que o tempo está em outra dimensão que não a do corpo físico.

Mas o tempo influi nesse movimento e caracteriza nossos corpos e individualidades de acordo com a forma com que deixamos nos levar ou pelo direcionamento que damos através de nossas atitudes. Estas partem dos pensamentos e das ideias, que podem ou não tornarem-se concretas. Para se tornarem concretas, exigirão movimento da nossa parte. Se não ultrapassarem a fronteira do mental ou imaginário, ainda assim, terão custado algum esforço ou tempo da nossa vida, para terem sido criadas ou desenvolvidas.

Percebe como o tempo molda seu dia?

Agora pense: quanto nós desperdiçamos do tempo - que é a fonte de todo o movimento na vida - em coisas supérfluas, complexas demais, ilusórias, mesquinhas e desmerecedoras de tanto empenho?

O tempo é precioso demais. E sua relação mágica de envolvimento conosco nos coloca numa posição de responsabilidade para com seu uso.

Fazer bom uso do tempo ultimamente, para mim, tem se resumido a dar um tempo a ele.

Não significa abrir mão de tudo, porque sua natureza é inexorável e não há como mudar isso – “o tempo cura...”, “o tempo resolve...”, dizem alguns. Não consigo enxergar cura ou resolução em apatia, submissão e ausência de atitude e reflexão.

Dar tempo ao tempo significa aceitar que seu transcorrer é natural, e que cada um de nós trás um ritmo e velocidade peculiar. As diversas medidas de tempo criadas pelo raciocínio humano servem para nos localizarmos de acordo com o mundo ao redor e com nossos semelhantes, mas são insignificantes no que diz respeito a real compreensão de si próprio e do fluxo maior de tempo que nos envolve.

Nosso reloginho interno é conectado infinitamente a alguma fonte mágica, que nos (des)acelera, pausa, pressiona ou não, ajudando-nos a regular nossas engrenagens para aproveitar plenamente a viagem bacana de trem.


Por: Paloma Portela