sábado, 24 de setembro de 2011

Relações viciosas

O título acima parece, antes de mais nada, uma contradição. Isso porque, para a sociedade atual, “relações” e “relacionamentos” parecem trazer em si um certo sentido de liberdade de escolha. “Relações são livres e cada um escolhe como bem entender”, não é isso? Humm... Será?

Vamos examinar a tal da contradição primeiro. Se a ideia de "relacionamentos" pende para uma certa liberdade de escolha, que faz ela junto à palavra vício? Que pressupõe uma relação de dependência, e por isso, de supressão de boa parte daquela liberdade que enxergamos em “relacionamentos” e “relações”. Ok, agora vou ter que pedir ajuda para as mulheres maravilhas de plantão, pois a coisa complica um pouco.

Quem é que já não teve ou presenciou uma relação viciosa, daquelas bem grudentas, em que uma pessoa, (ou pior, as duas) querem sair, mas não conseguem? Claro, todos os casais tem seus problemas que às vezes dão vontade de sair correndo da relação, como quem pula de um trem em movimento! (cena de filme de faroeste, só para ilustrar a adrenalina da situação). Sim isso existe também, mas as relações viciosas me parecem um caso a parte.

Existe um livro curioso, chamado “Mulheres que amam demais” que fala especificamente de relações nas quais a dificuldade central é deixar um relacionamento pouco ou nada sadio para uma ou ambas as partes. O título em si, também soará contraditório, já que muitas das relações viciosas, se mostram carregadas de excesso de algo que parece tudo, menos amor. E me perdoe Vinícius ao dizer que amor é dor... Acho que amor é aprendizado, e aprendizado tem tanta dor quanto precisamos para aprender a andar de bicicleta, digo, lidar com o outro.

É curioso, pois esse livro das mulheres que (não) amam demais está recheado de casos extremos, como mulheres de criminosos reincidentes e vítimas de abusos, que, apesar dos pesares (diga-se bem pesados) não conseguem conceber o fim da relação. E ao ler o livro, o que a primeira vista nos parece uma teimosia infundada em permanecer em uma relação desfalecida, aos poucos, revela uma forte proximidade de tais mulheres a seus pares, quase como um nó. Diz o ditado popular que quem ama cuida e permanece ao lado do outro, mas acho que amar, de verdade, não pressupõe realizar todos os desejos do ser amado e permanecer com ele custe o que custar. Quem ama também deixa, vai embora, discorda e muda de direção.

Um nó. Foi essa palavrinha monossilábica que me ajudou a entender muito mais sobre relações viciosas, do que tratados de psiquiatria (sem desmerecê-los). Um nó não nos parece, hoje, em tempos de aparente liberdade de escolha nos relacionamentos, algo que se faça sozinho. Um nó que se aperta ou afrouxa, e que parece receber constantes contribuições de ambas as partes. E para as mulheres do livro, em especial, o nó sempre as confrontava com problemas próprios, as quais eram chamadas a resolver, por meio da relação. O nó diz respeito também ao que trazemos conosco, ao que somos, e às direções que decidimos tomar a todo momento.

Deixo o livro um pouco de lado nesse momento, pois, ainda que houvesse muita aproximação entre os tipos psicológicos das mulheres que “amam” demais, não poderia se colocar todas no mesmo barco. Cada uma era cada uma. Assim como as relações danosas, ou viciosas, que se espalham por aí, trazem em si histórias e peculiaridades muito diferentes.

O que podemos aproximar então, no meio de tantas possibilidades que permeiam as relações viciosas? Acredito eu, que como a própria palavra “vício” sugere, a relação de dependência também merece atenção. O atendimento a um dependente, seja de alguma substância, de alguma emoção, ou até mesmo de um pensamento, como apontam os casos de TOC (transtorno obsessivo compulsivo), trabalha, além do objeto do vício em si (que também  tem um papel fundamental), a relação de dependência que há entre ele, e a coisa à qual ele se vê aderido e incapaz de se afastar, naquilo que chamamos de “nó”.

Lógico, existem diferenças entre deixar alguém, e deixar uma substância, por exemplo. Mas creio que o pano de fundo que leva à dependência, o estado interno e as escolhas de vida da pessoa que se vê presa a algo ou alguém, é um aspecto que pode nos ajudar a compreender melhor a questão dos “nós”.

A vida rege encontros e desencontros também de acordo com nossas ações pessoais, preferências, ideias, valores e bagagens inconscientes que trazemos conosco. Nenhum encontro é por acaso, nenhuma atração ou identificação é corriqueira, seja de amizade ou amor. E nenhum nó se faz sem uma cadeia de pequenas escolhas, fios de nossas ações em movimento, que dependendo de como foi tecida a trama, um dia podem se emaranhar.

É certo que todo nó ensina. E na aparente liberdade de escolha que há entre nós e as coisas que vem ou vamos ao encontro, parece sempre se desenhar, por trás da experiência (principalmente, as que se repetem), um ensinamento.

Estou longe de encerrar o assunto, como quem faz uma continha de supermercado. E mesmo na conta de supermercado, sempre há aquele descontinho ou preço errado que surpreende no final da soma. Então, fica a reflexão sobre algum nó, ou múltiplos nozinhos, que somos chamadas a resolver, e que neles o sofrimento seja talvez, muito mais um aviso, do que a tal da “inevitável” dor de amor, que tanto cantam os poetas...

Por: Caroline Derschner