quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Alicerce

As arquitetas e os arquitetos talvez me compreendam mais rapidamente em relação aos outros, mas em quase toda vida humana se empreende uma obra (péssimo trocadilho...).

Em algum momento da nossa existência iniciamos construções, reformas, às vezes até muros de pedra sobre barranco puro, virgem e rígido.

Derrubamos árvores antigas com o pesar de quem, intuitivamente, sente que inicia pelo passo errado.

Arrancamos asfaltos esburacados, quebramos pisos, deslocamos móveis... Criamos entulhos sem local definido para nos desfazermos destes.

Muito escrevo nos meus textos sobre mudanças. Quase sempre internas, raízes das externas. E estas, por sua vez, nos moldam perante a vida. Quando a sabedoria chega, nos torna inteiros, sem fronteiras entre o que somos, o queremos ser e em como o outro nos, verdadeiramente, enxerga.

Interesso-me pelo tema porque não conheço homem ou mulher (maravilha) que tenha alcançado a almejada sabedoria, maturidade e paz de espírito que tanto sinto necessidade. Mas neste ano, perdida entre confusões e balanços, concluo que estive com pessoas (homens e mulheres-maravilha) que buscaram, pelo menos, empreender tais obras e, claro, externaram seus sonhos, suas alegrias e dificuldades, dividindo comigo experiências e encontrando caminhos.

Tive este privilégio! E esse foi um dos meus trunfos neste ano que finaliza. Apenas um destes anos, entre os outros de minha vida, em que pude viver justamente pela e para a felicidade de não temer mudanças, tendo como apoio o cuidado por si, e a atenção amorosa daqueles que, em algum momento, me inspiraram a derrubar paredes ou trocar portas.

Não vivi vidas alheias, não sonhei a vida destes para a minha. Agi de forma diferente com os instrumentos usados nessas empreitadas, que resultaram em conclusões novas para o que, até aqui, tenho capacidade de enxergar, pisando com segurança sobre cada pedaço de chão que me suporta e que me serve de parâmetro para que nunca me esqueça das origens e limites que tenho.

Fiz isso como mulher, tentando, muito insatisfatoriamente, descrever pensamentos nesses textos, cheios de incoerência e muitos erros gramaticais e ortográficos (obrigada, Carolzita, pelas revisões!); escolhendo cada vez melhor minhas companhias; afinando uma beleza mais gentil e cuidadosa, menos frívola; alimentando uma chama interna que aquece e queima mesmo nos dias mais solitários; uma tranquilidade, que não é transcendental, mas, realista e comum. 

E nada ainda pareceu, nem de perto, ser o suficiente. A cada novo ano, dia, um novo defeito grotesco descoberto! Uma mania irritante, uma impaciência nos períodos de TPM, choros guardados, dores que não se fecham, temores e sentimentos intuitivos de alerta que causam ainda mais temores... Porque nem só de flores pode se levar a vida... Até poderia, mas não estou – ainda – apta para isso.

No entanto, não somente de obras e desconstruções se vive. Mas elas são cada vez mais urgentes, pelo que observo sobre o mundo e todos nós, ano após ano.

Será que já vivemos (e levamos para dentro de cada um de nós) tanto vácuo como agora, em relação a outros tempos? Tenho a impressão de que, cada vez mais, carregamos espaços vazios, segundos efêmeros, desperdiçados com as mesmas idiotices de sempre...

Espero que o novo ano, já tão breve, como todos os dias atuais – brevíssimos – traga muitas obras para todos. Repensar atitudes, realizadas ou não, horas jogadas ao léu, pessoas que foram descartadas pelos sentimentos mesquinhos de corações áridos e solitários, mais apego ao humano e desapego ao mundano, lealdade espontânea ao invés de fidelidade cega, mais perdão, inteligência emocional e menos submissão e fúria.

A humildade e a coragem em suas lutas são como capacetes em campos de obra.

Boas reformas!  

Por: Paloma Portela

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Guerra dos sexos - A construção do poder feminino

Já vai longe o tempo em que os maridos mandavam em suas mulheres. É certo que em alguns lugares do mundo, isso não ocorreu como hoje vemos em grande parte das cidades globalizadas.  Mas reconhecemos que a mulher conquistou um lugar social que lhe faz livre para votar, sair na rua, expressar suas opiniões, estudar, escolher se quer casar ou com quem quer casar, e se terá filhos ou não. Direitos que soam até absurdos de não serem concedidos para uma geração como a minha, dos anos 80.

No entanto, da luta legitimada por direitos sociais até o termo “guerra dos sexos”, foram alguns anos de história e também de dominação, e o tal termo de tanto soar por ai, já virou clichê. Em todo caso, o que me chama a atenção, é que o termo “guerra dos sexos” continue até os dias de hoje sem ter seu sentido atualizado, pensado ou refletido. O que quer dizer “guerra dos sexos” hoje? Se existe um termo que sugere uma batalha de um sexo contra outro, porque isso ocorre e em que âmbito isso é considerado? Já parou para pensar?

O termo sugere que haja uma luta, uma oposição, a briga por algo, algum lugar ou uma posição, mas que lugar é esse? Será que a tal da guerra dos sexos pode ser considerada uma luta por igualdade de direitos nas sociedades globais? Ou por um lugar bem específico e que conhecemos bem: a posição de dominação e controle, de supremacia, historicamente cunhada pela classe masculina?

A insatisfação e a revolta com essa condição de superioridade histórica, (repito, histórica, portanto factual), fomentou muitas revoluções e cunhou no imaginário contemporâneo o termo guerra dos sexos, que sugere que sim, há uma batalha pela conquista de algo. Mas quando falamos em guerra dos sexos hoje, pelo que se está lutando?

Entre lutar por igualdade de direitos e lutar pelo posto de dominação que a sociedade patriarcal exerceu de forma contingente e não inerente (repito, contingente e não inerente) durante tanto tempo, muita coisa se confunde e se mistura.

Se olharmos com cuidado, podemos reconhecer nesse processo histórico, sintetizado hoje pelo termo “guerra dos sexos”, uma busca pela força, pelo poder e pela capacidade de dominação, durante tanto tempo exercida sobre nós mulheres. Sentimentos que muitas parecem carregar à flor da pele, nutridos por uma ferida aberta há muito tempo, cuja dor atravessa as gerações.

O que passa despercebido, no entanto, é que na fermentação e no desdobramento das revoluções sociais em diferentes épocas e países que emancipou as mulheres enquanto cidadãs, moldou-se quase que ao mesmo tempo, as sutilidades de um novo e paradoxal modelo de dominação e controle, forjado no ódio, na raiva e no ressentimento.

Silenciosamente e quase que imperceptivelmente, da ideia de uma“mulher vencedora”, alguns estereótipos se formaram, transformando esta na mulher dominadora do sexo masculino, que culturalmente tem o “homem aos seus pés”. A culpa não me parece ser das revoluções sociais, nem da conquista de direitos de cidadania pelas mulheres. Mas não foi difícil crescer ali, em um território marcado pela opressão e humilhação, o desejo das mulheres de dominação sobre a classe masculina.

A construção da versão estereotipada do poder feminino que seguiu esse triste rastro, se encaminhou para a formação de uma imagem da mulher como um ser capaz de domínio e poder sobre o homem. Não através da força, mas pela sedução.

O estereótipo fatal, que seduz e domina, por outros meios que não os das castas masculinas do século quinze. São mulheres implacáveis. Não sei se todo o estereótipo cultural guarda marcas de um processo histórico, mas a construção do poder feminino contemporâneo esbarra nesse tipinho típico com assustadora frequência. Exageradamente sexualizadas, belas, famosas, vaidosas, indefectíveis, notáveis e capazes de dominar - elas são o novo retrato de domínio social que a tal da batalha dos sexos nos mostra, sem precisar dizer nada.

Podem dizer que não há guerra nenhuma, que isso é apenas um termo, mas é impressionante a estranha simbiose ideológica que há hoje entre valorizar a mulher e fazer valer seus direitos, e cair na falácia cultural da estereotipação feminina que se valoriza, se sobrepõe e ganha espaço principalmente através do corpo, da aparência física e da capacidade de atração do sexo oposto. E onde estão os outros valores femininos, que não sejam os atributos estéticos e materiais? Onde ficam no meio do vale tudo de mulheres indefectíveis e sedutoras, brigando por atenção e controle?

Se as mulheres queriam se libertar de um lugar de dominação, sem querer, acabaram escravas de uma nova condição de si próprias e de um modelo que deixa todas suas outras virtudes e capacidades verdadeiras e perenes, aquelas que não se vão com a idade, a situação social e a aparência física, em segundo plano.

Se tornaram prisioneiras de uma condição implícita que prescreve que uma mulher vale tanto quanto consegue dominar e seduzir a classe masculina, e que entra em parafuso quando não se faz valer por esses atributos.

Hoje, esse consenso cultural paradoxal atinge a mulher, rebaixando-a a uma condição vazia, inferior e empobrecida, sem que no entanto, ela se perceba disso com clareza.

E nessa bagunça histórica, emocional, cultural e midiática, eu me pergunto: será que já não é hora de novas revoluções? Nos emanciparmos da própria imagem construída para a valorização feminina hoje, parece, aos meus olhos pelo menos, uma guerra muito mais urgente do que a tal da guerra dos sexos.

Por: Caroline Derschner

sábado, 15 de outubro de 2011

Quanto vale?


(Escrito um dia antes de uma nova estrela surgir no céu.)

Numa época em que grande parte da humanidade parece ter aderido ao capitalismo, observo que quase todos os elementos das nossas vidas, seja no cotidiano mais árido, ou nas questões mais existênciais do ser humano, são medidos por um padrão de qualidade cada vez mais concreto, material, fútil e volátil.

Ter, viajar e mostrar se tornaram verbos chave em quase todas as conversas que tenho ouvido – ou lido, já que estamos em plena era digital – entre minhas amigas.

Mas pouco vejo de verdadeiro entusiasmo ou conhecimento adquirido nas experiências relatadas, que poderiam ter sido muito mais aproveitadas, se vividas de forma mais profunda ou simplesmente simples.

Essas minhoquinhas e mais alguns acontecimentos recentes me fizeram hoje, questionar-me aqui com meus pensamentos, a seguinte reflexão:

Quanto vale uma vida? Como saber se o que eu levo é uma boa vida ou, talvez, mediana, difícil...? Como equacionar isso?

Usando-me como cobaia para essa divagação, vamos ver se consigo construir e resolver essa continha...

Lembro que na minha adolescência eu queria sempre ter; ter aquela bolsa incrível, aquele esmalte maravilhoso, aquela calça... Ah... Aquela calça super difícil de encontrar! E mentiria se dissesse que meu humor não mudava após a aquisição daqueles mimos. Mas a euforia só durava até colocar os olhos, ou escutar, a publicidade do próximo grande objeto de desejo do momento...

Aí tomamos gosto pelas viagens! Viajar quase sempre é uma delícia, pelo menos para mim. Sair da rotina, mudar os hábitos, conhecer lugares e pessoas diferentes... Mas viagens podem ser muito mais do que fotos tiradas e visitas a lugares novos. Viajar também significa aceitar os costumes e conceitos de um local novo, diferente do seu de origem; significa viver como um cidadão diferente do que você costumava ser no seu lugar de origem.  Viajar é passar por estradas, rodovias, sobrevoar cidades, estados e países, com histórias únicas. É voltar ou se sentir além do tempo usual. É olhar nos olhos das pessoas deste novo lugar e sentir que mesmo com idiomas, política, estrutura social e cultural diversa, a essência humana é quase sempre a mesma.

E aí eu me pergunto... Com isso em mente e, por exemplo, com pouca grana no banco ou dificuldades de locomoção, não seria possível aproveitar de forma similar uma boa leitura de um livro sobre a Índia ou Afeganistão? Ou assistir a um bom documentário sobre a cultura brasileira nordestina, sobre as tribos indígenas amazônicas ainda isoladas da civilização moderna? Viajar, desta forma, ganharia uma visão muito mais ampla e relativa.

E quanto à época das celebridades, mostrar as minhas conquistas, eu sempre faria para as pessoas que eu amo, e que sei da sincera admiração e carinho para com meus ganhos, e que sem dúvida também estariam a postos para me auxiliar nas minhas dores e perdas.

Vamos equacionar?

(...)

Pois é... Essa vida me custa tão pouco... Eu só preciso cuidar da saúde do meu corpo - e nesse ponto dou um grande viva à medicina atual - amar, aceitar, aproveitar, fazer e observar, e reclamar menos...

Conheci há pouco tempo uma garotinha linda, cheia de vida e limitações para vivê-la. E ela sempre, em quase todas as nossas conversas, era só sorrisos e gentilezas. Atualmente está travando, talvez, a mais dura e decisiva luta de sua vida, e lembrando-me dela nestes dias com mais força, me questiono esses valores que damos a tudo nas nossas vidas. Posses, aparências, soberba, orgulho...

No fim, paradoxalmente, a medida destes valores de vida acaba encontrando sentido na iminência da morte. Independente da sua forma de interpretação, querido(a) leitor(a), minha consciência profunda da morte é que me serve, hoje, de parâmetro para viver. Para medir a humildade com que lido com o outro e comigo mesma, com os meus medos, as minhas raivas, frustrações, dores, vaidades, ninharias... É nessa passagem para algo desconhecido que vejo a igualdade dos seres. E por isso mesmo, procuro me prender às coisas que ainda posso modificar ou melhorar, aqui, em vida. Não para validar uma eternidade feliz, mas, acima de tudo, para fazer valer – e agradecer - a vida que tenho.  

Espero ter a liberdade de me livrar de tudo que me pese e que me impeça de lembrar que o que eu vivi e a forma como vivi, foi a mais bonita e dedicada. Com todas as limitações que nos são impostas, seja pela falta de dinheiro numa sociedade capitalista, ou uma doença grave, ou por qualquer outro motivo, se o preço da minha vida valeu, muito mais pelos sorrisos dados e ganhos, ela me valeu bem, e me custou bem mais em conta do que tudo que apostei nela.

Por: Paloma Portela

sábado, 24 de setembro de 2011

Relações viciosas

O título acima parece, antes de mais nada, uma contradição. Isso porque, para a sociedade atual, “relações” e “relacionamentos” parecem trazer em si um certo sentido de liberdade de escolha. “Relações são livres e cada um escolhe como bem entender”, não é isso? Humm... Será?

Vamos examinar a tal da contradição primeiro. Se a ideia de "relacionamentos" pende para uma certa liberdade de escolha, que faz ela junto à palavra vício? Que pressupõe uma relação de dependência, e por isso, de supressão de boa parte daquela liberdade que enxergamos em “relacionamentos” e “relações”. Ok, agora vou ter que pedir ajuda para as mulheres maravilhas de plantão, pois a coisa complica um pouco.

Quem é que já não teve ou presenciou uma relação viciosa, daquelas bem grudentas, em que uma pessoa, (ou pior, as duas) querem sair, mas não conseguem? Claro, todos os casais tem seus problemas que às vezes dão vontade de sair correndo da relação, como quem pula de um trem em movimento! (cena de filme de faroeste, só para ilustrar a adrenalina da situação). Sim isso existe também, mas as relações viciosas me parecem um caso a parte.

Existe um livro curioso, chamado “Mulheres que amam demais” que fala especificamente de relações nas quais a dificuldade central é deixar um relacionamento pouco ou nada sadio para uma ou ambas as partes. O título em si, também soará contraditório, já que muitas das relações viciosas, se mostram carregadas de excesso de algo que parece tudo, menos amor. E me perdoe Vinícius ao dizer que amor é dor... Acho que amor é aprendizado, e aprendizado tem tanta dor quanto precisamos para aprender a andar de bicicleta, digo, lidar com o outro.

É curioso, pois esse livro das mulheres que (não) amam demais está recheado de casos extremos, como mulheres de criminosos reincidentes e vítimas de abusos, que, apesar dos pesares (diga-se bem pesados) não conseguem conceber o fim da relação. E ao ler o livro, o que a primeira vista nos parece uma teimosia infundada em permanecer em uma relação desfalecida, aos poucos, revela uma forte proximidade de tais mulheres a seus pares, quase como um nó. Diz o ditado popular que quem ama cuida e permanece ao lado do outro, mas acho que amar, de verdade, não pressupõe realizar todos os desejos do ser amado e permanecer com ele custe o que custar. Quem ama também deixa, vai embora, discorda e muda de direção.

Um nó. Foi essa palavrinha monossilábica que me ajudou a entender muito mais sobre relações viciosas, do que tratados de psiquiatria (sem desmerecê-los). Um nó não nos parece, hoje, em tempos de aparente liberdade de escolha nos relacionamentos, algo que se faça sozinho. Um nó que se aperta ou afrouxa, e que parece receber constantes contribuições de ambas as partes. E para as mulheres do livro, em especial, o nó sempre as confrontava com problemas próprios, as quais eram chamadas a resolver, por meio da relação. O nó diz respeito também ao que trazemos conosco, ao que somos, e às direções que decidimos tomar a todo momento.

Deixo o livro um pouco de lado nesse momento, pois, ainda que houvesse muita aproximação entre os tipos psicológicos das mulheres que “amam” demais, não poderia se colocar todas no mesmo barco. Cada uma era cada uma. Assim como as relações danosas, ou viciosas, que se espalham por aí, trazem em si histórias e peculiaridades muito diferentes.

O que podemos aproximar então, no meio de tantas possibilidades que permeiam as relações viciosas? Acredito eu, que como a própria palavra “vício” sugere, a relação de dependência também merece atenção. O atendimento a um dependente, seja de alguma substância, de alguma emoção, ou até mesmo de um pensamento, como apontam os casos de TOC (transtorno obsessivo compulsivo), trabalha, além do objeto do vício em si (que também  tem um papel fundamental), a relação de dependência que há entre ele, e a coisa à qual ele se vê aderido e incapaz de se afastar, naquilo que chamamos de “nó”.

Lógico, existem diferenças entre deixar alguém, e deixar uma substância, por exemplo. Mas creio que o pano de fundo que leva à dependência, o estado interno e as escolhas de vida da pessoa que se vê presa a algo ou alguém, é um aspecto que pode nos ajudar a compreender melhor a questão dos “nós”.

A vida rege encontros e desencontros também de acordo com nossas ações pessoais, preferências, ideias, valores e bagagens inconscientes que trazemos conosco. Nenhum encontro é por acaso, nenhuma atração ou identificação é corriqueira, seja de amizade ou amor. E nenhum nó se faz sem uma cadeia de pequenas escolhas, fios de nossas ações em movimento, que dependendo de como foi tecida a trama, um dia podem se emaranhar.

É certo que todo nó ensina. E na aparente liberdade de escolha que há entre nós e as coisas que vem ou vamos ao encontro, parece sempre se desenhar, por trás da experiência (principalmente, as que se repetem), um ensinamento.

Estou longe de encerrar o assunto, como quem faz uma continha de supermercado. E mesmo na conta de supermercado, sempre há aquele descontinho ou preço errado que surpreende no final da soma. Então, fica a reflexão sobre algum nó, ou múltiplos nozinhos, que somos chamadas a resolver, e que neles o sofrimento seja talvez, muito mais um aviso, do que a tal da “inevitável” dor de amor, que tanto cantam os poetas...

Por: Caroline Derschner


sábado, 13 de agosto de 2011

Para as coisas que foram e que sempre serão

Surge naqueles momentos de silêncio interno, quando se ouve no início um chamado longínquo, que em seguida ecoa forte, quase insuportavelmente nítido. Você pode estar sozinha (o), num lugar íntimo, num “inferninho” barulhento, no meio de uma multidão desconhecida ou entre aqueles que não se cansam de chamar seu nome. De repente você olha para o lado, e lá está ela: a ausência.

Saudade concentra sentimentos gostosos e agradáveis, mas como todos os sábios paralelos, sentimentos pontiagudos e azedos também fazem parte. E quase sempre vem com válvula de escape, o Enter, o botão vermelho que não sabemos bem se devemos ou não apertar.
Tardes de sol sem vento geralmente me trazem lembranças melancolicamente doces do lugar de onde vim. Do bairro tranquilo e ensolarado onde passei meus primeiros anos de vida, do céu gigantesco que gostava de contemplar do terraço de casa, nas manhãs de domingo, escondida dos meus pais, vendo aquela imensidão azul e, quando a sorte apontava, alguma pipa ou balão perdido. Ahhh... Aquela infância...
Gosto de sentir saudades. Longe da psicologia, psiquiatria, estudos técnicos e biológicos, saudade é beber um copo d’água com sede e sentir o fluir do líquido escorregando corpo adentro, deslizando pelos sulcos, refrescando regiões e saciando com simplicidade uma necessidade. Mas, importante dizer que nem sempre a água estará na temperatura ambiente, podendo às vezes estar gelada e descer queimando.
Quando eu era adolescente me irritava ao lembrar-me das coisas que tinha, ou vivido menos do que gostaria, ou do excesso do que havia vivido. Amorecos, brigas, situações e momentos peculiares. E essa forma esquisita de lidar com a ausência daquilo que de alguma forma ainda me fazia falta durou por muito tempo, até, de fato, passar por um forte momento... Quem não o tem? Daquelas coisas que a gente faz ou vive e pensa após o fim, “Será que eu vou esquecer...?”.
E eis que um dia você acorda e percebe que, sem tudo aquilo pela qual passou, viveu, sorriu e sofreu, não seria quem o é hoje.
Ok, nem sempre é fácil. Ok, quase sempre é muito mais para o difícil do que para o fácil! Mas pode acontecer assim, ou de qualquer outro jeito que acaba nos fazendo enxergar o presente e quem sabe o futuro, com mais brilho, ou pelo menos, menos turvo.
Não falo da memória, essa é um poço sem fim. Falo daquele sentimento que, para mim, é sempre positivo para meu amadurecimento. Hoje limpo minhas gavetas com gosto, tendo um trabalho danado, às vezes, para organizar ideias e sentimentos, mas quase sempre, saudade vem acompanhada da ausência de alguma coisa que em algum momento me fez eternamente por alguns segundos ou anos, feliz como jamais imaginei.
Acabou mal? Te fez sofrer? Está longe e fora de cogitação voltar para aquele lugar e tempo? As palavras sem dúvida seriam outras com a cabeça que você tem hoje?
Escute o chamado, agradeça o sentimento, e sacie a sede, que só vem naturalmente quando há a necessidade. Um coração saudoso só faz fluir melhor as águas que correm aí dentro.

Por: Paloma Portela

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Nosso cantinho

Jorge Drexler é um cantor e compositor uruguaio, de quarenta e seis anos, ex-médico e ganhador do Oscar de melhor canção original com Al outro lado del río, para o filme Diários de Motocicleta, de Walter Salles (2005). Hoje, ele salvou meu fim de tarde. Sua voz regenerou os tecidos maltratados do meu ouvido, cansados do barulho, e da ninharia sem sentido ao meu redor; sua forma de cantar respeitou o silêncio que eu buscava no meio de tanto caos e fez com que eu, num momento em que nada realmente parecia ser nada, olhasse para dentro, e me mantivesse presente.

Hoje peguei um trânsito daqueles... Dentro de um ônibus cheio, quente e triste. Duas horas num percurso de poucos minutos, em “dias comuns”; por sorte, sentada, mas vendo a vida passar sem o aproveitamento merecido. Livros, todos lidos. Só me restaram o vidro da janela e um mp3 sobrevivente (30% de bateria). Morar em São Paulo tem sido uma aventura, uma convivência forçada com um monstro de centenas de quilômetros e fumaça embalada a buzinadas. No meio do caos – e de uma quase histeria, encontrei paz na voz desse músico, cantando juntinho ao meu ouvido. E pensei por alguns longos minutos, em como o “monstro”, às vezes, pode estar dentro de nós... E em como é importante buscar a paz dentro de algum lugar, que ao passar dos anos, tem se tornado pequeno, escondido, guardado em nossos “eus”.

Todos nós temos a “sorte” dos dias ruins... Talvez para lembrar-se da existência dos bons... Mulheres estão quase sempre propensas a reviravoltas hormonais, mudanças bruscas de humor, “aqueles dias” que chegam sem avisar, sentimentos oscilantes... Mas existem situações comuns a muitas pessoas, independente do gênero. Para aquelas pessoas que como eu, (sobre)vivem nessa cidade maluca... Trânsito! Ou melhor, trânsito intransitável.

Num engarrafamento, daqueles bem longos e angustiantes, assistimos (e por que fugir da verdade? Participamos, também, às vezes...) a cenas de dor, raiva, ódio, desespero, apatia, ansiedade, egoísmo, quase tudo culminado pelo estresse. São situações que, ou ocorrem por causa de eventos externos, ou por atitudes nossas. Mas vivê-las, estar mergulhado nestes cenários, torna-se prova de fogo até para os mais “bons samaritanos”, educados e pacientes. Nestes momentos descobrimos nossa verdadeira solidariedade, nossos limites, nossa destreza.

Para os que vivem entre carros, motos e coletivos em geral, quem poderia dizer que nunca ouviu falar de uma tragédia ou acontecimento em algum momento alheio, ou pessoal, de fúria, desembocando em atos ensandecidos? Sim, a “cidade grande” criou monstros sociais, econômicos e políticos, mas será necessário reforçar essa massa de sentimentos e agruras a nossa volta, e pior, carregar isso para dentro de si?

Momentos de dor excessiva, sobrehumana, estresse emocional urgente. Penso sempre nisso quando leio e vejo notícias sobre grandes tragédias, como enchentes, terremotos, tsunamis, eventos que estão tornando-se mais comuns dentro de nossas casas, também, pela rápida velocidade dos meios de comunicação atuais.

Imagine a quantidade de pessoas que perderam entes queridos, bens materiais, uma vida inteira construída, e de repente se verem a sós? Imagine a quantidade de transtornos psicológicos que vários dos sobreviventes destes eventos desenvolverão? Existem, é claro, os que superam, que levantam e continuam, mas e aqueles que não resistem ao caos emocional...?

Comparação um tanto absurda, engarrafamento urbano versus tragédias humanas, mas o que tento desenvolver aqui é uma reflexão sobre como estamos, hoje em dia, o tempo todo prestes a topar com o caos, em seu pior sentido. Não me parece opcional, estamos à beira dele.

E há uma defesa? Não me esqueço de uma aula na faculdade, quando analisávamos um poema de Manuel Bandeira, e que interpretado pela (boa) professora, desenhava uma busca interior pelas singelezas do que de mais íntimo poderia existir nele próprio - no homem, não poeta - no que de mais humano poderia haver naquele ser. Não era num patamar espiritual que sua autodiscussão se desenrolava, era no silêncio necessário para seus ouvidos, na calma dos gestos curtos, nos perfumes ao redor, na visão obscurecida pelas pálpebras cerradas. A paz daquele homem, no poema, provinha deste estado de solidão consigo mesmo, presente com ele próprio, consciente de si, ainda ligado ao mundo externo por finas percepções, mas já alheio aos mais pesados ruídos.

Lembro-me também de um caso real bem conhecido, de um rico publicitário, que sequestrado por bandidos viveu em cativeiro por muitos meses. Após sua libertação, em entrevista bem posterior, disse que nos momentos de maior desespero, fraqueza, fome e dor, já quase perdendo a lucidez, ele reteve-se a fazer poucos movimentos. Ficava sentado, de olhos fechados, ouvia todos os mínimos sons mais próximos, concentrava-se na sua respiração e buscava algum “refúgio interior”.

Na época em que li isso achei poético, mas confesso que o verdadeiro sentido daquilo (me parecia mais uma descrição de uma aula de yoga!) só tornou-se nítido para minha cabecinha, hoje, após encontrar o meu refúgio, apequenado pela aridez do cotidiano urbano, mas vivo, guardado em mim.

Não acho que seja uma atitude responsável da minha parte fugir dos problemas e fingir que acontecimentos desagradáveis sejam caprichos do destino, ignorando essas situações. Mas buscar um estado de tranquilidade frente a tantas ocorrências bizarras parece ser uma forma de equilibrar a montanha de sentimentos que podem emergir de momentos de angústia, seja na perda de alguém de modo inesperado, na apatia de um engarrafamento, na fase loucamente hormonal que me acomete todo mês.

Por hoje, Jorge Drexler foi a ponte de acesso para que eu chegasse ao meu cantinho. Reservado e tranquilo, bem ali, mais perto do que imaginava (e sem necessidade de pegar trânsito pra chegar até ele!).

Por Paloma Portela




terça-feira, 21 de junho de 2011

Filhos sustentáveis?

Outro dia fui ver um documentário curioso chamado “Receitas de um Desastre”. O filme mostrava os apuros de uma família finlandesa que tentou reduzir ao máximo seu impacto ambiental durante um ano. Vamos imaginar: uma família de classe média, pais empregados, um carro, duas crianças pequenas e muito frio. Até aí nada de novo. Mas se você pensar que ao final do documentário, ou melhor, do ano incomum vivido pela família finlandesa, eles chegaram à conclusão de terem economizado o equivalente ao impacto ecológico que dez famílias indianas produzem no mesmo período...

Eu não sei qual é o perfil de consumo médio de uma família indiana. Sei que na Índia não faz tanto frio como na Finlândia, nem parece ser um costume generalizado de lá levar os filhos de carro no colégio, longe disso. Mas, dessa relação de equivalência entre famílias, me chamou a atenção como a conscientização e o esforço de quatro pessoas, duas delas, “pessoinhas” ainda, valeram o impacto de tanta gente no final das contas.

O tal do título “Receita de um desastre” acredito que tenha ficado por conta do rebuliço familiar que as medidas adotadas pelo Papai ecológico causaram, como não comprar absolutamente NADA que tivesse embalagem plástica no supermercado (o que beirava o impossível), vetar qualquer derivado do petróleo em casa e olhar feio até para o papel higiênico no banheiro.

Os filhos participavam da empreitada com a animação e a adrenalina que nós, adultos, deixamos de sentir a algum tempo em muitas áreas da vida. A mãe nem tanto. E ninguém gostava de ficar sem ver televisão, nem andar a pé na neve ou na chuva, ao invés de usar o carro.

Mas se a conversa principal dentro da família era sobre as “pegadas ecológicas” que eles deixavam, fazendo pequenas escolhas, (que no final, pesaram tanto quanto as escolhas das tais das dez famílias indianas), me parece que a maior “pegada de todas”, foi o impacto dessa mudança deixado nas crianças.

Entre a seriedade e a brincadeira que todas aquelas situações estranhas causavam aos pequenos, a importância das decisões sustentáveis pareceu ganhar para eles um contorno muito mais palpável, do que aqueles que atingem as crianças através de campanhas que dizem que “é importante cuidar do meio ambiente”. Afirmações que fazem sentido para nós adultos, mas que sem exemplos práticos podem ficar um tanto distantes para os pequenos.

Quando o Papai-sustentável do filme levava seus filhos para passear no parque, ele mostrava como as árvores da região estavam se modificando por conta do clima, como o barulho dos motores e aviões da cidade afastavam os pássaros e como o termômetro de sua casa se comportava de modo muito estranho em comparação aos anos anteriores.

Os dois meninos não receberam “catequização ambiental” de cartilha. Eles viam no dia-dia exemplos reais que davam sentido às escolhas dos pais. Como crianças não gostam de ficar sem respostas, elas acabaram sabendo que a energia solar que vinha do telhado ou as noites à luz de velas, tinham a ver com o derretimento das calotas polares, com o aumento do nível dos mares e com a escassez de peixes no mercado.

Em termos de educação ambiental ao menos, a família finlandesa merecia nota dez. Lógico que seu papai visionário cometia alguns excessos que deixariam qualquer família mais moderada e equilibrada em situação “insustentável”. Mas essa correspondência lógica entre causa e efeito, associando problemas ecológicos ao cotidiano, que pode fazer falta aos mais novos quando o assunto é Meio ambiente, estava ali tão evidente como nunca.

Se essa experiência toda valeu muito ou pouco, eu não sei. Só sei que para aqueles meninos, provavelmente a aula de Educação Ambiental no colégio ganhou um sentido bem diferente, ou no mínimo, uma corzinha “a mais”. Não ficou só verde como se pinta por aí, mas também mais colorida, já que foi pintada com as cores inesquecíveis da realidade.

Por: Caroline Derschner

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Arrastando sofás...

A gente mexe daqui, mexe dali, tira do lugar, arrasta, empurra, levanta... E haja dor nas costas, depois... Ontem fiz (mais) uma mudança em casa. Dessa vez só no quarto, que já há muito tempo vinha me incomodando pelas paredes e móveis sem vida.

A maior parte das pessoas que conheço gosta muito de mudanças caseiras, meninos e meninas. Quando eu tinha uns 16 anos, uma amiga – com quem infelizmente perdi o contato – e eu trocávamos muitas figurinhas sobre formas diferentes de arrumar e decorar a casa, principalmente nossos quartos, que eram nosso espaço, de fato, para soltarmos toda a liberdade criativa. Ela dizia que após as mudanças feitas, gostava de ficar entrando e saindo, por várias vezes do quarto, só pra ter o gostinho de entrar num “espaço novo”, cheio de novidades! E eu concordo, surge uma sensação sempre gostosa após certas mudanças...

Mulheres, em especial gostam de mudar. Em geral, mudam os cabelos após um final de relacionamento, a cor do esmalte quando o humor se altera, os móveis da casa após um longo tempo com tudo sempre no mesmo lugar, os azulejos do banheiro, o jardim, o guarda-roupa (principalmente quando se faz aquela superlimpeza, com roupas boas para doação), panelas de um armário para outro, os livros na estante, a maquiagem, o piso da sala, tapetes, enfim, todas aquelas pequenas coisas que compõe o universo peculiar de cada uma.

Porém, mudanças nem sempre são coisas assim, tão simples, externas e de fácil aceitação. Compartilho da ideia de que essas mudanças mais claras são na verdade, reflexo de um mundaréu de coisas que já estão acontecendo dentro de nós.

Preciso confessar que às vezes tenho uma necessidade doida de fazer uma faxina daquelas, em casa, e mudar tudo de lugar! E a sensação após essa aventura não é algo meramente externo. Em geral, essa vontade sempre bate quando estou com algum problema mal resolvido, ou alguma preocupação insistente. Coincidência? Quem sabe...

Mudar o cabelo certamente não te ajudará muito a resolver todos os conflitos internos que acometem nossas cabecinhas, depois de uma ruptura definitiva com o namorado. Mas sim, pode ajudar, em certa medida, a recuperar a imagem que você, em algum momento deixou de ver de si própria, e que entregou de bandeja nas mãos de outra pessoa. Em geral, é o chamamento pela autoestima, que deve ter ido pra bem longe. Parece uma mudança bem mais forte e profunda do que só cortar ou pintar as madeixas...

Nossas vidas passam por mudanças quase todo tempo. E quer saber, acho que isso acontece de um jeito tão silencioso que muitas dessas vezes nem percebemos! Quando você ouve uma música, que te faz lembrar-se de algo, não muda seu dia? Quando você experimenta um novo sabor maravilhoso, ele não poderia destronar aquele outro sabor que até então era o seu preferido, e se tornar o atual? Essas são as mudanças silenciosas e relativamente tranquilas. Mas e aquelas que nos assustam? Que interferem no nosso modo de ser e de conviver com situações até então novas? Insistindo no caso do cabelo, e depois que você sai do salão? O que acontece? Ou quando perdemos algo ou alguém de forma repentina ou paliativa, mudar de emprego, mudar de cidade ou país, sair da casa dos pais, tornar-se pai, iniciar uma nova relação, morar junto com alguém, mudar hábitos (saúde, alimentação, manias)...?  

Conheço pessoas que odeiam mudanças (sim, ‘odeiam’, elas usam essa palavra!).
Mas o que é a vida sem mudanças? Mudar é movimento, e movimento é vida. O planeta gira e temos com essa rotação o dia e a noite, para sair, trabalhar, estudar, repousar, conhecer pessoas, ficarmos sozinhos... Temos também, nesse enorme movimento, as estações do ano, que sem dúvida exercem grande influência sobre nosso cotidiano. Mudamos também quando crescemos, e nos desperta uma vontade de aprender algo: ciência, música, natação, literatura, etc. E quando as mudanças não surgem de uma vontade interior nossa, mas pressentimos que algo está esquisito, algumas situações começam a surgir em nossas vidas, como que nos mostrando que já está na hora de mudar... São sinaizinhos simples, como uma goteira no teto, uma briga sem motivo, uma conversa estranha, mofo nas paredes, cabelo sem graça... Tenho a impressão de que são situações que pedem emergência para serem observadas com cuidado, e que caso nos sintamos tocados, algo deve ser feito.

Ou seja, quase toda mudança pede uma reflexão, quase toda experiência de vida pede uma avaliação, pra sabermos se valeu a pena, ou não, agir de determinada forma.

Acho que o essencial é não termos receio de passarmos por transformações. É só lembrar que pra tudo na vida, o movimento se faz presente. Para os grandes astros no universo (estrelas nascem e morrem todos os dias e nem nos damos conta de que com essas mudanças muita matéria no universo se desfaz e se renova) até aos pequenos elementos mais simples na vida (como uma garota, que após muitas reviravoltas, resolveu tirar todas as velharias de casa e modificar seu mundinho). Mudar conscientemente é mudar com amor a si próprio.  

Por: Paloma Portela

terça-feira, 7 de junho de 2011

Mais amor, meu amor...

Feliz dia dos namorados (e namoradas)! Mas... Por que comemorar toda a alegria de uma união amorosa em um único dia? Ou... Por que não criar, também, o dia dos solteiros, com a mesma lógica maluca que um dia fez alguém criar o 12 de junho como o dia dos pombinhos, em nosso país...?

Os argumentos mais frios são os de sempre: pura intencionalidade comercial. E de fato, para nós, aprendizes da nova versão mulher maravilha – e antenada! – fica fácil, fácil notar esse pseudo ar cor de rosa que paira sobre as ruas.

Mas mesmo na loucura dos valores atuais, porque não refletir um pouco sobre tudo isso?

Afinal, estar com alguém que te faça feliz e que te realize só pela alegria em fazer este outro também feliz, já não é algo muito digno de ser comemorado em todos os dias? Já anda tão complicado encontrar uma pessoa bacana que esteja de livre e espontânea vontade disposta a querer dividir um mundo de sentimentos (e conflitos, lições, lágrimas, risadas...), isso parece ser quase como ganhar a copa do mundo! Deve ser lembrado e comemorado sempre que possível!

Relações sólidas (não vamos confundir com ‘cristalizadas’... daquelas em que nada muda, afinal, somos pessoas e estamos sempre à beira, ora do erro, ora do acerto, crescendo e mudando conforme a vontade de cada um de nós) devem ser mantidas com carinho e cuidadas como pedrinhas preciosas: polidas sempre que ranhuras aparecerem, limpas e mantidas longe de abismos em que elas possam cair e se quebrar. Mas relações sólidas não necessitam de provas de amor, juras datadas. Elas são o que são! Sinceras e sem frescuras.

E essa solteirice que nos assola ultimamente!? As autoras destes textos tem a enorme honra em comunicar que estão fazendo o possível para aprender muito com a liberdade! E que delícia de liberdade, heim! Sair com as amigas, presentear com bombons umas as outras e festejar mais um dia de vida no meio de tantos outros! Cheias de saúde ou com o suficiente para sorrir um pouco de toda essa história de coisas fabricadas por uma mídia manipuladora ou vendedores malvados de rosas, que cobram 10 vezes mais num buquê, neste dia!

Passear, namorar, conversar... Tudo isso é também uma delícia. Mas estar só não é sinal de fracasso. Apenas de que ainda não encontramos alguém que mereça, de verdade, nossos carinhos, nossa atenção e cuidados. Podemos dedicar isso ao nosso trabalho, aos filhos - para as que já os tem, aos grandes amigos, a um prato novo que você resolveu inventar para convidar amigos pra jantar, a uma causa, enfim... Apesar de tema clichê em músicas e poemas, amor está em falta no mundo de hoje...

Se for solteirinha, como nós, escolha algo bem importante, ou só gostoso de fazer, para se dedicar neste dia, assim como em todos os outros da sua vida.

Se estiver acolhida e feliz no colo do seu queridão (ou queridona) pense se não vale a pena se esquecer disso tudo, e passar longas horas aproveitando a simples companhia do coração um do outro, enquanto estiverem juntos.

Façamos do 12 de junho só mais um dia no calendário, em que saímos espalhando o verdadeiro amor a quem quiser receber. 

Por: Paloma Portela

Licença, maternidade.

Ler qualquer revista de gente famosa e não se deparar com uma porção de mamães felizes exibindo seus barrigões, ou uma prole numerosa e sorridente, dessas de propaganda de pasta de dente na TV, hoje em dia é muito difícil. Muita felicidade parece exalar de todas as relações familiares coroadas com a presença de um pequeno ou uma pequena. Seja quem for, onde estiver e com estiver, a chegada de um filho parece dar sentido à existência de muita gente, já que é uma nova e agradável fase da vida, e para muitos, parte fundamental do projeto dela.

Ter um bebezinho deve ser uma experiência maravilhosa, e até eu, do alto de meus 23 anos, me pego desavisada suspirando diante das fotos que parecem atestar que o nascimento de um filho é o derradeiro brinde de felicidade na lista de sonhos e realizações de uma mulher, de um casal, e às vezes de uma família inteira. Mas, de volta ao mundo real, pressinto, quase que imperceptivelmente, algo de estranho no ar.

Em meio ao desejo partilhado por tantas, do filho que um dia virá, parece haver, em alguns lugares, pequena e tão escondida que quase não se vê, uma leve pressão, um afã, uma pressa.

Pressa, afinal, se a maternidade é tão boa assim, parece que em certos momentos, não vivenciá-la é sinônimo de frustração e negação da tão sonhada felicidade, para qual, fomos educadas enquanto mulheres. Mulheres que vivem em uma sociedade arraigada na plenitude da satisfação de desejos criados por nossa cultura. Sejam eles quais forem. Mas será que é bem assim?

Já faz algum tempo que a mulher não é mais educada para ser só mãe, mas mesmo assim, séculos de fermentação de um desejo imprescindível de ser mãe, fazendo desse seu papel social principal e seu direcionamento pessoal, perduram. E esse desejo, levado ao extremo, “espetaculariza” o momento tão bonito, íntimo, familiar e delicado que é a maternidade. Não escolhi esses adjetivos à toa, pois todos eles evocam uma ideia muito especial de proteção e resguardo. A gestação e o cuidado com um bebezinho estão desde a fecundação, voltadas para dentro. Dentro da barriga da mãe, dentro das emoções que envolvem a criança muita antes dela nascer e dentro do carinho e amor que há entre um casal - lugar que poucos, além do próprio casal, poderiam ser convidados a comparecer e conhecer.

Eu não pretendia citar o padre Marcelo Rossi, para não fazer associações religiosas, mas acho interessante fazê-lo, pois bem recentemente ele esteve mídia afora, alertando mulheres grávidas para que se guardassem dos olhares invejosos vindos de todo o resto de uma população feminina, em parte, insatisfeita e triste. Insatisfeita e triste por quê? Em tempos como os atuais, sem perceber, absorvemos ideias, pensamentos, fatos alheios, que mal sabemos nós, se servem ou não para nossa realidade e nosso momento de vida. Essa “espetacularização” da maternidade não está só na mídia, mas na sociedade em geral, perguntando insistentemente às pessoas quando irão encomendar o bebê, ou se já estão planejando o próximo. Parece haver uma avidez nisso tudo, uma pressa, um anseio de realização, quase que desesperado, que busca nos filhos, nos netos e nos sobrinhos, o encontro da felicidade feminina. E não é bem por ai, sabemos que não é. Para muitas esse dia não virá, ou ainda levará algum tempo. Um tempo que, mesmo sem filhos, é feliz e benfazejo, pois constrói, aos pouquinhos, a maturidade necessária para vida, e para a maternidade também.

Eu também quero ter um filho um dia. Também sei que existe uma expressão, que faz tremer tantas mulheres, chamada reloginho biológico. Vira e mexe me deparo com ela, e é quase que impossível não vir à mente a imagem de um relógio, não um reloginho, como diz o termo, mas um enorme relógio do século dezessete, daqueles bem pesados, no qual cada volta do ponteiro parece avisar de uma pressa. Um tempo que corre passa vazio sem a chegada de um filho. E isso não é verdade.

Ser mãe antes de ter encontrado a si mesma, infelizmente não é uma realidade só das comunidades carentes ao redor do mundo. Das aldeias, vilarejos e favelas onde a gravidez precoce é regra e não exceção. Essa realidade está também nas maternidades dos bons hospitais e entre mulheres adultas. Porque maturidade, não vem só com a idade, ela vem de dentro, de um desejo íntimo de reconhecimento de si e evolução, de firmar o passo na caminhada da vida. E quando nos chega a feliz novidade da chegada de um pequeno em nessa caminhada, essa mulher terá muito que doar de si, para o cuidado e crescimento de seu filho. Mas ela só investirá nele, tanto quanto puder ter investido em si mesma antes desse dia chegar. E as tão aguardadas horas de felicidade junto ao bebê, com o tempo e principalmente lá pela pré-adolescência, farão muita falta em meio ao despreparo.

Mulheres, meninas, mães maravilha. A dica Slow, parece caber aqui também para nós. Vamos com calma. A finalidade de nossa existência não está só na maternidade, como a ciência e a biologia parecem fazer crer. E o encontro de nossa felicidade não está no filho que está por vir. Estar bem e feliz consigo mesma, ainda vem antes das lembrancinhas na maternidade e será muito necessário nas reuniões do colégio daqui a alguns anos. Será mais necessário ainda durante as conversas francas, e nas respostas das perguntas sem fim que todos os filhos fazem às suas mães. Por essas e outras, Slow! Vamos pegar mais leve nessa vontade, e sempre que possível, deixar as revistas de cabelereiro de lado. Panfletagem de gravidez e frustração com a própria vida é uma mistura que não combina, e que pode gestar, durante muito mais do que nove meses, inveja e negatividade. Isso sim dá motivo para a choradeira interna de ambas as partes, e é capaz de tirar o sono de muita gente no meio da madrugada.

Por: Caroline Derschner

Slow maravilha!

Slow meninas! A mulher maravilha não aguenta mais fazer o papel de faz-tudo. Se ela for a todos os encontros sociais que sua vida de heroína lhe pede, vai esquecer-se de cuidar de si mesma... Ou pior, quando ela enfim, tiver esse tempinho livre, mágico e precioso, pode até não saber mais como lidar com ele, e acabar procurando mais coisas para fazer.

Curtir a própria companhia é algo que desaprendemos, e quase sem querer podemos confundir isso com solidão. E ninguém gosta de solidão. Por isso, em seu beabá, Dona Maravilha pensou também nesse papo de viver a vida a milhão, em contrapartida com o tempo de cada coisa, feita com zelo, calma e carinho. Às vezes nos falta a sensação de fazer algo bem feito por falta de tempo ou de atenção, uma coisa de cada vez e da melhor forma possível, como uma dádiva. Fazer algo por nossa casa, para alguém, para nós mesmas, como quem dá um presente... Seja o que for. A alquimia da satisfação pessoal não é difícil de aprender, mas com certeza se esvai em meio a milhões de compromissos encavalados uns nos outros. A mulher maravilha achava que já vinha com a função multi-mulher-a-todo-vapor, daquelas que levam o filho na escola, falando ao celular, pensando no jantar, lembrando que não fez depilação! Mas acho que ela se enganou, então, como sempre, muita calma nessa hora.

Será que precisamos formatar nossa agenda, seja mental ou nossa agendinha de papel mesmo, dessa forma? O ministério das heroínas contemporâneas adverte: Salvar o dia é legal, mas depois de uma semana ou um mês assim, você acabará precisando salvar a si mesma!

Por mais que o tempo esteja cientificamente se acelerando, a mulher maravilha pode fazer algo para não acelerá-lo ainda mais, dentro de si. Slow é uma dica para quem está sempre a mil, e não estamos falando só de correr pra lá e pra cá, pois a cabecinha às vezes também não para de trabalhar, fabricando estresse e pouca paz de espírito. Então que tal se a gente começar de um jeito mais simples? Mais tarde iremos perceber que tudo começa pelo mais simples, mas isso é um segredo, que só descobrimos vivendo... (felicidade sempre rimou com simplicidade).

Mas será que conseguimos desacelerar sem parar? Outra dica do ministério: fazer as pequenas e grandes coisas com plenitude, vivenciando o presente com tranquilidade está muito longe de cair na preguiça e não fazer nada, pois quem não se movimenta se descontenta! (Outra rima filosófica!) Temos um montão de coisas pra fazer desde que colocamos nossos pezinhos para fora da cama, ao acordar. Um monte de coisas úteis que podemos fazer por nós e pelo mundo a nossa volta, mas para quem está em um dos opostos da balança, fazendo coisas demais ou de menos, essa oportunidade de realização pode passar despercebida.

Outra coisa que aflige as mulheres maravilha em potencial é viver sem descobrir o contentamento através do cotidiano. Pense bem, ninguém merece trabalhar contando as horas para ir embora ou ansiosa para as tarefas acabarem... Então, o que há de errado? Será que são as tarefas ou nossa relação com elas que está pedindo uma repaginação? Ouvi dizer outro dia que o trabalho é uma espécie de meditação ativa, traz felicidade e centramento.

Já parou pra pensar se estas qualidades estão presentes no seu dia-dia de trabalho? Será que não é hora de desacelerar e reajustar nossas prioridades? Ninguém é mãe, esposa ou funcionária antes de, primeiro, ser mulher, uma individualidade que também merece carinho e atenção... Então que tal dar um respiro? Uma pausa, um momento seu preenchido com coisas leves e positivas, como um livro, uma costura, o contato com a natureza, uma visualização, uma reflexão, uma música especial, uma comidinha feita com as próprias mãos... Nesse respiro, a singeleza do bem-estar pode aparecer, ou pelo menos, mostrar seu caminho. É só chamar, pois havendo um tempinho disponível, com certeza ela virá. A mudança pode começar pela mente, o resto, pega carona.

Por: Caroline Derschner