quinta-feira, 30 de junho de 2011

Nosso cantinho

Jorge Drexler é um cantor e compositor uruguaio, de quarenta e seis anos, ex-médico e ganhador do Oscar de melhor canção original com Al outro lado del río, para o filme Diários de Motocicleta, de Walter Salles (2005). Hoje, ele salvou meu fim de tarde. Sua voz regenerou os tecidos maltratados do meu ouvido, cansados do barulho, e da ninharia sem sentido ao meu redor; sua forma de cantar respeitou o silêncio que eu buscava no meio de tanto caos e fez com que eu, num momento em que nada realmente parecia ser nada, olhasse para dentro, e me mantivesse presente.

Hoje peguei um trânsito daqueles... Dentro de um ônibus cheio, quente e triste. Duas horas num percurso de poucos minutos, em “dias comuns”; por sorte, sentada, mas vendo a vida passar sem o aproveitamento merecido. Livros, todos lidos. Só me restaram o vidro da janela e um mp3 sobrevivente (30% de bateria). Morar em São Paulo tem sido uma aventura, uma convivência forçada com um monstro de centenas de quilômetros e fumaça embalada a buzinadas. No meio do caos – e de uma quase histeria, encontrei paz na voz desse músico, cantando juntinho ao meu ouvido. E pensei por alguns longos minutos, em como o “monstro”, às vezes, pode estar dentro de nós... E em como é importante buscar a paz dentro de algum lugar, que ao passar dos anos, tem se tornado pequeno, escondido, guardado em nossos “eus”.

Todos nós temos a “sorte” dos dias ruins... Talvez para lembrar-se da existência dos bons... Mulheres estão quase sempre propensas a reviravoltas hormonais, mudanças bruscas de humor, “aqueles dias” que chegam sem avisar, sentimentos oscilantes... Mas existem situações comuns a muitas pessoas, independente do gênero. Para aquelas pessoas que como eu, (sobre)vivem nessa cidade maluca... Trânsito! Ou melhor, trânsito intransitável.

Num engarrafamento, daqueles bem longos e angustiantes, assistimos (e por que fugir da verdade? Participamos, também, às vezes...) a cenas de dor, raiva, ódio, desespero, apatia, ansiedade, egoísmo, quase tudo culminado pelo estresse. São situações que, ou ocorrem por causa de eventos externos, ou por atitudes nossas. Mas vivê-las, estar mergulhado nestes cenários, torna-se prova de fogo até para os mais “bons samaritanos”, educados e pacientes. Nestes momentos descobrimos nossa verdadeira solidariedade, nossos limites, nossa destreza.

Para os que vivem entre carros, motos e coletivos em geral, quem poderia dizer que nunca ouviu falar de uma tragédia ou acontecimento em algum momento alheio, ou pessoal, de fúria, desembocando em atos ensandecidos? Sim, a “cidade grande” criou monstros sociais, econômicos e políticos, mas será necessário reforçar essa massa de sentimentos e agruras a nossa volta, e pior, carregar isso para dentro de si?

Momentos de dor excessiva, sobrehumana, estresse emocional urgente. Penso sempre nisso quando leio e vejo notícias sobre grandes tragédias, como enchentes, terremotos, tsunamis, eventos que estão tornando-se mais comuns dentro de nossas casas, também, pela rápida velocidade dos meios de comunicação atuais.

Imagine a quantidade de pessoas que perderam entes queridos, bens materiais, uma vida inteira construída, e de repente se verem a sós? Imagine a quantidade de transtornos psicológicos que vários dos sobreviventes destes eventos desenvolverão? Existem, é claro, os que superam, que levantam e continuam, mas e aqueles que não resistem ao caos emocional...?

Comparação um tanto absurda, engarrafamento urbano versus tragédias humanas, mas o que tento desenvolver aqui é uma reflexão sobre como estamos, hoje em dia, o tempo todo prestes a topar com o caos, em seu pior sentido. Não me parece opcional, estamos à beira dele.

E há uma defesa? Não me esqueço de uma aula na faculdade, quando analisávamos um poema de Manuel Bandeira, e que interpretado pela (boa) professora, desenhava uma busca interior pelas singelezas do que de mais íntimo poderia existir nele próprio - no homem, não poeta - no que de mais humano poderia haver naquele ser. Não era num patamar espiritual que sua autodiscussão se desenrolava, era no silêncio necessário para seus ouvidos, na calma dos gestos curtos, nos perfumes ao redor, na visão obscurecida pelas pálpebras cerradas. A paz daquele homem, no poema, provinha deste estado de solidão consigo mesmo, presente com ele próprio, consciente de si, ainda ligado ao mundo externo por finas percepções, mas já alheio aos mais pesados ruídos.

Lembro-me também de um caso real bem conhecido, de um rico publicitário, que sequestrado por bandidos viveu em cativeiro por muitos meses. Após sua libertação, em entrevista bem posterior, disse que nos momentos de maior desespero, fraqueza, fome e dor, já quase perdendo a lucidez, ele reteve-se a fazer poucos movimentos. Ficava sentado, de olhos fechados, ouvia todos os mínimos sons mais próximos, concentrava-se na sua respiração e buscava algum “refúgio interior”.

Na época em que li isso achei poético, mas confesso que o verdadeiro sentido daquilo (me parecia mais uma descrição de uma aula de yoga!) só tornou-se nítido para minha cabecinha, hoje, após encontrar o meu refúgio, apequenado pela aridez do cotidiano urbano, mas vivo, guardado em mim.

Não acho que seja uma atitude responsável da minha parte fugir dos problemas e fingir que acontecimentos desagradáveis sejam caprichos do destino, ignorando essas situações. Mas buscar um estado de tranquilidade frente a tantas ocorrências bizarras parece ser uma forma de equilibrar a montanha de sentimentos que podem emergir de momentos de angústia, seja na perda de alguém de modo inesperado, na apatia de um engarrafamento, na fase loucamente hormonal que me acomete todo mês.

Por hoje, Jorge Drexler foi a ponte de acesso para que eu chegasse ao meu cantinho. Reservado e tranquilo, bem ali, mais perto do que imaginava (e sem necessidade de pegar trânsito pra chegar até ele!).

Por Paloma Portela




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